domingo, 28 de fevereiro de 2010

O terremoto e suas consequências...

É triste ter que escrever sobre o que passei em Santiago na madrugada deste sábado. É muito diferente de todos os outros posts que já escrevi por aqui... Mas espero que o post possa ajudá-los a compreender o que aconteceu no Chile com o terremoto.

Sempre que via um desastre natural (terremoto, tsunami, enchentes, tornados, etc) ficava imaginando o que eu faria se estivesse no lugar das pessoas que passavam por essa situação indesejável e de tanto sofrimento. Por mais que já tivesse visto enchentes no Brasil, nunca perdi bens pessoais e nem fiquei presa nelas... Já terremotos, tsunamis, tornados, dentre outros, estavam completamente fora da minha realidade.

Logo depois que cheguei em Santiago, estava em uma das conversas rotineiras de trabalho e o assunto era terremoto, dado que tinha acabado de acontecer um temblor de 3,5 graus (sismos de até 7 graus são considerados somente temblores e não terremotos). Nessa conversa uma pessoa nos disse: "Os chilenos estão esperando um terremoto forte logo, pois está na época de acontecer outro". Não entendi muito bem o que eles quiseram dizer com "está na época de acontecer outro" e acabei nem indo atrás para buscar informação dos terremotos mais fortes do passado. Só ontem fui entender o que isso queria dizer...

Desde quando cheguei em Santiago tiveram 3 temblores, dois de madrugada e um às 9h da manhã de uma sexta-feira. Entretanto, não havia sentido nenhum dos três (o das 9h não senti porque estava na rua e normalmente temblores mais baixos não são sentidos na rua, somente nos edifícios).

Estávamos planejando ir para a praia na sexta à noite, mas resolvemos ficar em casa. Fui dormir era uma e pouco da manhã, depois de assistir o episódio mais recente de Lost (sou fanática pela série e não perco um capítulo!). Estava dormindo, tranquilamente, quando de repente acordei. Sentei na cama, olhei para os lados e não entendi porque tinha acordado... até começar a sentir os temblores... foi quando percebi que estava acontecendo um terremoto. No começo foi mais fraco, então pude levantar da minha cama e sair do quarto. A Cris, mexicana que mora comigo, e o Juan, da Costa Rica, disseram: "Vamos descer pelas escadas!". Eu saí para chamar a Aline, brasileira que trabalha e mora comigo, porque ela dorme no quarto dos fundos (estilo quarto de empregada), mas não consegui chegar até lá... Quando entrei na cozinha o temblor ficou muito forte e as coisas começaram a cair no chão. A luz se apagou e ficou tudo uma escuridão pura... Só deu tempo de gritar: "Alineeeee!" e voltar para a sala. Eu quase não podia andar porque tremeu muito forte, então fiquei parada perto da porta do apartamento, esperando passar o tremor. A Natália, colombiana que estava passando uns dias aqui em casa e estava dormindo na sala, nem se movia, ficou sentada no sofá sentindo o tremor da casa. Como estava escuro, não sabíamos o que estava caindo, só ouvíamos barulhos de coisas quebrando, móveis andando e portas e janelas batendo. O prédio inteiro dançava, e como moramos no último andar do prédio (sexto andar) sentimos ainda mais forte... Uma sensação de medo inexplicável... Achei que o prédio ia cair e que eu não passaria daquela noite... Um filme passou pela minha cabeça... Foi terrível...

Quando parou de tremer, não pensei em mais nada, a não ser descer pelas escadas o mais rápido possível. Abri a porta e desci, sozinha, sem levar nada... descalça, mas de meia, e de pijamas... só queria sair de lá... Estava tudo escuro, então desci com bastante cuidado para não me machucar, afinal eu não tinha noção do que tinha caído ou não com o tremor... Ao chegar no segundo andar do prédio, uma menina estava chorando e gritando pedindo ajuda: "Hay alguien acá? Necesito de ayuda con mi abuelito! Hay alguien?" Respondi que estava perto dela, mas não podia enxergar nada... Ela acendeu uma vela e foi ao meu encontro. Estava chorando muito e dizendo que seu avô, já de idade, estava no quarto e não sabia como ele estava. Fomos até lá e ele estava em estado de choque, sem se mexer e sem falar. Ela não parava de chorar... Pedi para me dar uma vela para que eu pudesse chegar ao térreo e pedi para ela não ficar nervosa (como se isso fosse possível...). Disse que ia encontrar algum médico para o avô dela e que assim que tivesse notícias voltaria para o apartamento. (ainda bem que chegaram depois dois moradores do prédio que são médicos e o senhor está bem...)

Quando saí para fora do apartamento, todos estavam saindo também, de todos os prédios que tem na rua onde moro. Muitos de pijamas, com uma blusa de frio por cima, assustados, preocupados... O que havia acontecido?!?!

A única solução era ficar na rua, esperando para ver se não haveriam réplicas fortes (quando tem um terremoto normalmente outros terremotos de escala menor ocorrem depois, pois até a placa tectônica se assentar leva algum tempo... além disso, réplicas ajudam a diminuir a pressão que está dentro da terra, o que é bom para evitar terremotos fortes). E lá ficamos, até quase 6 horas da manhã (o terremoto ocorreu às 3h37):

Ficamos na rua, sem luz, esperando para saber se poderíamos ou não retornar para o nosso apartamento. PS: O Juan me emprestou o sapato dele porque estava descalça! Fiquei beeem engraçada: pijaminha, meia e sapato masculino... rs

A Cris e o pessoal de casa demorou mais para descer. Foram pegar roupas e celular para não descer no escuro. Quando chegaram no portão do prédio me abraçaram muito e disseram que estavam preocupados porque me chamavam e eu não respondia. O medo foi maior e acabei saindo sem avisar e sem tentar falar com eles...

Uma senhora estava com um rádio ouvindo as notícias e quando ela disse que o terremoto foi de 8,5 graus eu não acreditei!!! Sim, foi forte, mas não imaginei que tinha sido tão desastroso assim... Fiquei ainda mais assustada depois que fiquei sabendo disso.

Subimos para o apartamento depois que voltou a luz e deixamos tudo preparado caso tivesse uma réplica muito forte: 

1) arrumamos todos os documentos importantes, remédios, dinheiro, e colocamos em bolsas fáceis de pegar caso tivéssemos que evacuar o prédio novamente;
2) limpamos a casa;
3) tiramos tudo que estava no alto e que poderia machucar caso caíssem durante um tremor;
4) fechamos todas as portas dos armários da cozinha com colheres de pau e sacolas de plástico.

Abaixo estão algumas fotos de como ficou o nosso apartamento depois do terremoto:

Meu quarto: o espelho caiu da parede no chão durante o terremoto.. ainda bem que o notebook ficou são e salvo em cima da estante...

O fogão saiu pelo menos um metro do lugar e quase fechou a saída para a varanda (quase a Aline ficou presa no quarto dela, que fica ao lado da varanda). As gavetas do armário também abriram, como vocês podem ver...

A estante andou uns 2 metros ou mais durante 3 minutos...

Os shampoos e coisas de banho caíram dentro da banheira...

Esse é o hall de entrada do apartamento e os livros caíram todos...

O chão da cozinha ficou intransitável...

Fizemos um "acampamento" na sala para ficarmos todas juntas... o medo estava grande e ninguém queria ficar sozinha em seu quarto...

O pior de voltar para o apartamento foi sentir as réplicas a cada 20, 30 minutos... Não imaginei que seriam tão constantes. Não consegui pregar o olho essa noite porque quando o sono começava a chegar outra réplica começava... e foi assim o dia inteiro. Não tivemos paz e o medo foi constante... teve um momento da tarde que eu estava cochilando, acordei por causa de uma réplica e disse: "eu não quero mais réplicas, chega..."; as meninas começaram a rir porque disse como se fosse algo que eu tivesse pedido para acontecer (rs), mas no fundo todas sentiam a mesma coisa...

Saímos para comer à noite e a maioria dos restaurantes estavam fechados. Paramos para comer no restaurante japonês em frente de casa e ficamos uma hora esperando a comida chegar. Era o melhor tempo x benefício na região... rs

Depois de tudo isso, as coisas estão mais calmas. Teve uma réplica muito forte hoje de manhã, umas 8 e pouco, mas não chegou a cair nada. Porém, a frequência diminuiu muito, ainda bem...

Fiquei pesquisando ontem informações sobre os terremotos e finalmente compreendi o que queria dizer a "época de acontecer terremoto": em 1960 ocorreu o terremoto mais forte já registrado na história da humanidade, de 9,5 graus, que devastou o Chile e a costa de muitos países e ilhas asiáticas com tsunamis fortes. Em 1985, 25 anos depois, teve outro terremoto no Chile, que foi mais perto de Santiago e destruiu boa parte da cidade. Agora, em 2010, 25 anos depois do último terremoto mais forte, tivemos o terremoto atual, que teve como epicentro Maule, uma cidade no sul do país, a 500 km de Santiago, e que é localizada perto da segunda maior cidade do país, Concepción. A intensidade foi de 8,8 graus na escala Ritcher, mais forte que o terremoto do Haiti, que foi de 7 graus. Portanto, se alguém pretende vir para o Chile não venha em 2035! hehe

Resumindo, a cidade de Santiago é muito bem preparada e não sofreu muita destruição com o terremoto, graças a Deus. Só prédios e construções mais antigas ficaram com rachaduras ou até caíram. O maior problema está nas cidades mais afetadas... tenho amigos de Concepción que moram em Santiago e têm família lá... tem um escritório da AIESEC na cidade e não temos notícias deles e nem dos trainees ainda... e muita gente está desabrigada... De fato, é uma situação de catástrofe e calamidade... 

Aqui em Santiago sentimos apenas 7 graus (como se fosse pouco), enquanto que no epicentro foi 8,8 graus. A força do terremoto é exponencial e a cada décimo sua força aumenta 10 vezes, ou seja, o pessoal no epicentro sentiu um terremoto 180 vezes mais forte (ou seja, com um potencial de destruição 180 vezes maior que o que sentimos aqui). Se tivesse sido mais perto de Santiago as coisas teriam sido muito diferentes...

Vamos ficar na torcida para que tudo se resolva logo e as famílias desabrigadas possam voltar a ter uma vida normal. E nós seguimos nossa vida por aqui, esperando que nada muito fora do comum ocorra até o final dos nossos intercâmbios...

Minhas amigas e companheiras: Aline, eu, Carol, Natália e Cristina

18 comentários:

Maria Laura disse...

Oi Marina!!
"mto bom" o seu post rsrsrs quero dizer, eu consegui entender bem o que é que se passa na cabeça de alguem que vive o fenomeno!
Espero que esteja tudo bem com voces agora, estou em pensamento com voces, ok? Mande um abraço gostoso pra Robertão e Livia
Um beijo, Maria Laura @RP

Anônimo disse...

Querida Marina, ainda bem que vcs estão bem! Seu post tá muito interessante. Bjs, fique com Deus. Margareti (ex-teacher)

Gustavo S. Cortes disse...

Má!

Que bom que você está intacta... juro que fiquei preocupado e você foi a primeira pessoa que me veio à cabeça quando soube das notícias.

Um beijo, boa sorte aí,
Gustavo.

Daniela Brandão disse...

nossa Marina que barra que vocês passaram hein!algo inimaginável para nós brasileiros, eu estou na Ásia agora (Malásia) e volta e meia qdo tem algum terremoto todo mundo fica preocupado mesmo eu estando em lugar relativamente seguro...

mas que bom que pelo menos está "tudo bem" com vc!

Daniela @BH

Gustavo S. Cortes disse...

PS: dá até pra ir na balada com aquela combinação de pijamas + sapatos masculinos, hein?! hahahaha :P

luciana disse...

wow!
Nunca lera antes um relato de alguém que passou por isso. Bom texto! Fico mais feliz ainda que esteja tudo bem com vc e o velhinho que estava em choque =)
Continue nos entretendo sobre o Chile

Beijos,
Lu

Aline Mamede disse...

Mah,
Estamos dividindo várias experiências em Santiago, mas essa foi a mais "tremenda", com certeza!! Ainda bem que foi só um grande susto!
Post tá super completo, depois vou fazer um com o meu ponto de vista ;)
Muitos beijos!

ers disse...

oh... my god!

Nayara disse...

Como a gente tinha conversado, fico feliz que esteja tudo bem e espero que as coisas fiquem ainda melhores. Foi bom ler o seu relato, apesar de ser uma história triste. Bjos

Vinicius Bortoluzzi Madeira disse...

Oi!

Muito impressionanante o teu relato, cheguei a ficar ateh meio ansioso lendo-o!
Mas quem bom que deu tudo certo!

Abraco!

Vinicius
(@Porto Alegre, em intercambio em Cracovia, Polonia).

Matheus Amaral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Matheus Amaral disse...

Hey Marina!

Emocionante a sua narração. A mídia aqui no Brasil não para de falar no acontecimento, lembrei de você desde o primeiro momento.

Muito diferente ver os acontecimentos na tv e acabar não se importando por estar tão longe mas, é bem diferente quando temos amigos vivenciando tudo isso.

Estou feliz por tudo ter acabado bem.

Dica: passe cola na casa inteira!

beijos e continue postando.

Dani Barbosa disse...

Oi Marina

Estava procurando notícias sobre a Aline e acabei achando o seu blog que aliás me acalmou por saber que est tudo bem com vcs.
Parabéns pelo post, apesar de partir de uma situação tão triste ficou bem interessante.
Fiquem com Deus
Dani @Goiânia

Carol Pata disse...

Má,

já tinha visto as noticias e fiquei super aliviada quando vc mandou email. Obrigada por mandar sempre notícias, estamos todos preocupados e, ao mesmo tempo, felizes de saber que vcs estão bem. Haja coração! hahaha

Um beijo pra vc e pras meninas!! :**

Mariana Pit disse...

Marinaaaa, que nervoso que me deu enquanto eu estava lendo seu post!!! Que horror, que tensaaaooo q vc passou!! E vc conseguiu escrever direitinho, consegui sentir seu medo, caraaaa... =/

Ainda bem q ta tdo mundo bem, e q vcs nao sofreram nada de importante com esse terremoto, fora a casa que ficou uma zona... hehe

Beijoss

Renata Murari disse...

É... o que passei aqui foi nem a sujerinha da unha.
Espero que esteja bem agora!

um bjo

dddd disse...

Guria, to aqui tremendo com o teu post, eu morrei 6 meses em santiago, fiz intercambio, voltei em julho do ano passado mas meu namorado e a familia dele estao morando em Santiago, eu passei o mes de janeiro e fevereiro ai, voltei na quarta antes do terremoto, no sabado nao conseguia me comunicar com ninguem, e foi horrível agora ler teu relato, por mais que eles ja me falaram várias vezes como foi e tudo...Que assustador heim, eu fico me imaginando no teu lugarr..
Mas que bom que o susto vai passando...Aproveita tudo ai em santiago, cidade que eu amoo e que quero voltar em breve :)
Um beijo guria, continuo te acompanhando entonces :ppp

Anônimo disse...

Tomara todas as pessoas estejam bem... Nunca estive num terremoto mas sim num furacão, e sei que essas coisas são terríveis.
Esse dia não tinha nada para comer e por boa sorte achei um delivery em higienopolis que chegou até minha casa.